“Eu pedi para os meninos se podia jogar também e me interessei. Depois de uns três meses abriu vaga para os treinos no projeto, fiquei muito nervosa e comprei minha primeira chuteira. Minha mãe não tinha muita condição de um tênis bom, mas foi com carinho e eu nunca vi problema”. É assim que Serena Britez Ocampos Martinez, nascida em 14 de novembro de 2007, em Campo Grande (MS), relembra o início de sua trajetória no futsal.
A história começou em 2020, no bairro Tiradentes, em um projeto social da Associação Lar do Pequeno Assis (Alpa). A jovem, que sempre acompanhava os jogos dos meninos na quadra, decidiu pedir uma oportunidade e não saiu mais dali. O apoio da família foi decisivo. “Conversei bastante com minha mãe sobre e ela me disse: se é isso que eu realmente quero, ela me apoiaria. Decidi que queria e tive todo o apoio da minha mãe, pais e irmãos”, afirma.
O cenário era simples. A quadra do projeto estava em reforma, sem cobertura e sem rede. O foco era a preparação física. Mesmo assim, Serena seguiu firme. Seu primeiro torneio foi a Copa Chelsea, disputada ainda entre equipes masculinas. “Com um ‘jeitinho’ do professor, lá estava eu, de chuteira e meião, surpreendendo a todos. Minha primeira medalha veio ali, com boas defesas”, lembra.
Vieram então os Jogos Indígenas, em Campo Grande, onde conquistou o terceiro lugar, e sua estreia nos Jogos da Juventude de Mato Grosso do Sul (Jojums), representando a escola. Aos poucos, passou a vestir a camisa do Atlético Santista, time de base que ampliou suas oportunidades em competições.
O estadual de 2023, em Aquidauana, marcou uma virada na carreira. “Foi meu primeiro estadual, onde ficamos em terceiro lugar. Primeira viagem, primeiro contato com um campeonato grande, na categoria sub-16. Foi muito importante porque aprendi muitas coisas e também tive erros, que serviram de aprendizado”, conta.
Depois dessa experiência, Serena viveu uma rotina intensa entre estudos, trabalho e treinos. No Atlético, conciliava futebol de campo e futsal, enfrentando longos deslocamentos. “Saía de casa às 16h para chegar no lugar dos treinos às 19h30. Pegava quatro ônibus cheios para treinar”, relembra.
Em meio às dificuldades, o apoio do primeiro treinador, Milton, foi fundamental. “Meu padrinho Milton foi meu primeiro professor. Ele sempre me motivou e me aconselha até hoje. Ele dizia que eu iria sair do estado e fazer meu nome, onde eu menos esperava. Isso aconteceu”, relata.
No estadual de 2024, um novo convite mudou o rumo da atleta. Ela foi chamada para jogar pelo EIA Dourados, mas no momento conciliava treinos com o trabalho em Campo Grande. A escolha não foi simples. “No começo do convite eu estava trabalhando e fiquei entre o futsal e o trabalho. Conversei bastante com o professor e minha mãe e depois de uns três meses me decidi que viria. Deixei minha família, relacionamento e trabalho para trás e vim fazer pelo meu sonho. Confesso que não me arrependo, porque essa oportunidade não apareceria novamente”, afirma.
Em Dourados, a rotina ganhou ainda mais intensidade. Treinos diários, escola em período integral e a saudade de casa marcaram a adaptação. “Confesso que é difícil, principalmente para quem está em outra cidade, com uma rotina totalmente diferente da sua. O pior é a saudade de casa, dos meus irmãos, da minha mãe e do meu pai, mas penso: eles estão me apoiando, não vou voltar para trás. Vou fazer por mim e por eles”, diz.
A mudança trouxe resultados imediatos. O estadual sub-18 rendeu o título e a vaga para o Campeonato Brasileiro dos Jogos Escolares da Juventude (JEB’s), em Aracaju (SE). A experiência foi única. “Nunca passou pela minha cabeça que eu iria jogar um campeonato nacional. Foi incrível, uma semana fora, tendo contato com outros estados, culturas diferentes e muito conhecimento”, lembra.
Na competição, a equipe conquistou o bronze da Série Ouro, feito inédito para o futsal feminino de Mato Grosso do Sul. Serena, goleira, foi protagonista em várias partidas. “Foi muito importante para o nosso estado e tenho certeza que fiz tudo isso para estar onde estou. Sou muito grata por cada passo e cada lágrima depois de um treino ruim, quando me senti insuficiente, mas não desisti do meu sonho”, conta.
Por ser mulher em um ambiente historicamente masculino, Serena enfrentou resistências. “Tive bastante. Por ser menina e ser a única, achavam que eu não conseguiria defender uma bola forte, que não ficaria no mesmo nível. Onde lugar de mulher não é dentro de quadra. Mas o futsal feminino está crescendo e dando mais visibilidade para outras meninas”, avalia.
Hoje, ela acredita no avanço do esporte. “Aos poucos está crescendo. Vejo muito orgulho das meninas que estão começando agora, porque hoje já não tem tanto o que tinha antes, em questão de dizer que você não vai conseguir. O futebol e o futsal estão mais valorizados e respeitados, mesmo que ainda não em todos os casos”, reflete.
Serena não fala em profissionalismo como meta obrigatória, mas mantém os pés firmes no sonho. “Meu objetivo é realizar até onde posso pelo meu sonho, mesmo não pensando em ser profissional. Quero dar orgulho para minha família e ter orgulho de onde cheguei”, afirma.
Aos 16 anos, ela resume em uma frase o recado que gostaria de deixar para outras meninas: “Se você realmente quer isso, não só por hobby, faça o que pode, cada passo de uma vez, mas não desista dos seus sonhos. Se eu consegui e estou aqui hoje, vocês também podem. Cada suor e cada dia chorado com certeza não será em vão”.