Sidrolândia (MS) - Na área de maior conflito agrário em Mato Grosso do Sul, o esporte aproxima crianças de sete aldeias pelo menos uma vez por ano. Cerca de mil alunos, de 5 a 17 anos, reúnem-se para disputar os Jogos Indígenas na Terra Buriti, em Sidrolândia, área que respira tensão por conta da disputa por terras entre índios e produtores rurais.
Neste ano, as competições duraram quatro dias e terminaram na última quinta-feira nas modalidades de futsal, vôlei, arco e flecha e cabo de guerra, apelidado pelos terena de cabo de paz.
Com pés descalços ou de tênis, uniformizados ou apenas de coletes, meninos e meninas se divertiram durante as finais do futsal na quinta. O público, mesmo sem arquibancadas para assistir às partidas, aglomerou-se em volta da quadra para cantar e gritar o nome das equipes. Pais, irmãos e amigos formavam a torcida e esbanjavam entusiasmo a cada drible ou gol. Era a comunidade fora do clima de tensão, integrada com a disputa esportiva.
Segundo o coordenador das escolas indígenas da região e professor de futsal, Gilmar Verón Alcântara, a prática do esporte ajuda a amenizar o clima de tensão que se agravou após a morte do indígena Oziel Gabriel, 36 anos, em maio, durante a reintegração de posse da fazenda Buriti.
Para Alcântara, o esporte fortalece a união entre os povos indígenas, a tradição e serve como forma de combate ao medo.
"Promovemos esses jogos para trazer alegria para esses jovens e quebrar aquele clima de disputa da Terra Buriti. Percebemos que naquela ação [reintegração de posse] que teve quando o Oziel foi morto, elas [crianças] ficaram com medo", afirmou.
O professor acredita que a competição preenche a rotina das crianças e promove cooperação, coletividade e integração entre alunos, comunidade e professores.
"O esporte é o caminho, porque tira esses jovens do caminho da bebida alcoólica, da droga. É uma forma de estimular o estudo e a permanência deles dentro da comunidade, para continuar lutando pelos nossos direitos", explicou.
Conforme Alcântara, mesmo que as crianças e adolescentes tenham como objetivo vencer, o principal foco do evento é a celebração do espírito de paz.
"O importante é participar, não importa quem vença. Para nós indígenas, não existe competição, porque não competimos entre nós. Celebramos o momento que é importante e quem ganha com isso é a cultura e a tradição", afirmou.
Incentivo
Para José Claudir, professor de uma das cinco escolas participantes, o esporte anda lado a lado como estudo.
"Só treina quem tiver com nota boa na escola. E se tiver nota ruim, eu tiro da escolinha, converso, explico e só volta a treinar quando recuperar a nota. O foco é tirá-los de uma ocupação fora da escola para colocá-los dentro da escola onde está sendo trabalhada a parte educacional da criança, valorizando a parte de cooperação, respeito, coletividade e tradição da cultura", disse.
Em dezembro de 2013, outra competição está programada, desta vez, entre as escolas indígenas rurais e da cidade. A segunda edição dos Jogos da Integração das Escolas Indígenas deve ocorrer em outubro de 2014.
Buriti
A fazenda Buriti está em área reivindicada pelos índios na região de Sidrolândia em um processo que se arrasta há 13 anos. A Terra Indígena Buriti foi reconhecida em 2010 pelo Ministério da Justiça como de posse permanente dos índios da etnia terena. A área de 17,2 mil hectares foi delimitada, e a portaria foi publicada no Diário Oficial da União.
Após a morte de Oziel Gabriel na região, o governo federal criou uma comissão para avaliar as terras e criar mecanismos de resolver o conflito. Uma das alternativas é a compra das áreas e a indenização dos fazendeiros para que os territórios fossem devolvidos às comunidades. A proposta ainda não foi viabilizada pelo governo e, atualmente, técnicos da Fundação Nacional do Índio (Funai) fazem vistorias para avaliar o valor das benfeitorias das áreas, um dos critérios necessários para calcular o valor de cada propriedade.