Bate-Bola | Pedro Nogueira/Da Redação | 13/07/2011 17h44

Bate-Bola: Roberto Elias

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"Temos que mostrar para a sociedade que essas crianças existem e é preciso o mínimo para que elas possam integrar a sociedade e ter um futuro". (Foto: Foto: Pedro Nogueira)

Roberto Elias

Professor de taekwondo há 22 anos, Roberto Elias tem cinqüenta anos e é dono de academia onde dá aula de taekwondo sozinho para sessenta alunos, é personal trainner e dá aula de defesa pessoal na Cigcoe, tudo isso para pagar a faculdade de educação física que cursa na Unigran.

Roberto Elias luta desde os dezesseis anos e competiu este ano pelo Campeonato Brasileiro Máster de Taekwondo em Florianópolis e venceu. Porém sua mais nova luta é o projeto Asas do Futuro, onde dá aulas para crianças carentes em ONG de Associação dos Moradores do bairro Dom Antônio Barbosa. Roberto Elias contou ao Esporte Ágil como está sendo trabalhar com este projeto social.

Esporte Ágil - Desde quando você dá aulas de taekwondo para crianças carentes?

Robert Elias - Há um ano e meio uma empresária que me conhece por causa da minha academia me convidou para fazer parte desse projeto social, dando aulas voluntariosamente toda quinta-feira e todo sábado. São 250 crianças, tem também aulas de futebol, capoeira, balé, informática, entre outros. Eu sou responsável apenas pelo taekwondo.

EA - O que te fez aceitar esta proposta?

RE - Quando eu cheguei lá me identifiquei com as crianças. Me encontrei nessas crianças. Fui pobre também e sei das dificuldades. Aceitei de coração, por emoção mesmo, embarquei com tudo no projeto. Acho que a gente pode ajudar,  nem que seja um grão de areia. Ajudar o próximo a melhorar a parte física, a parte psicológica, tirar crianças das drogas, de vícios, mesmo sem retorno financeiro, é super importante.

EA - Você vê resultado no seu trabalho? Surte efeito?

RE - O resultado é excelente na parte de disciplina, de orientação. Tem crianças que não têm estrutura familiar nenhuma, que são carentes mesmo, de tudo. O objetivo do taekwondo em si é fazer com que essas crianças tenham um caráter melhor, que ele seja lapidado pelo esporte. Porque na área esportiva também não temos do que reclamar, em um ano participamos de campeonatos e conquistamos resultados positivos.

EA - Quais foram os principais resultados?

RE - Em novembro do ano passado ficamos em segundo lugar por equipe no estadual em Ponta Porã. No início deste ano, participamos do 10° Festival de Artes Marciais e também fomos a segunda melhor equipe. Teve o GP de Taekwondo, do Fábio Costa, que foi realizado no Horto Florestal, ficamos em terceiro por equipe e classificamos dois atletas para o Campeonato Brasileiro Infantil: a Kemilly Thais e o Rodrigo Portilho, ambos de onze anos.

EA - E eles vão disputar o Brasileiro?

RE - O Campeonato é em agosto no Rio Grande do Norte. Mas não vamos, não temos condições nenhuma. Existe apoio entre aspas, só a gente corre atrás, existem muitas barreiras que enfrentamos. Quando fomos para Ponta Porã fomos por conta própria. Alguns empresários da minha academia me conhecem e às vezes me ajudam, mas não temos apoio nenhum, nem da prefeitura, nem do governo do Estado, nem da Federação de Taekwondo, que está mal financeiramente também. Não há apoio. Teríamos apenas do governo federal, o bolsa-atleta, que os atletas receberiam mais para frente, quando forem faixa preta. Infelizmente, o caminho é ainda muito árduo.

Se os meus alunos fossem para este Campeonato Brasileiro e conquistassem qualquer medalha, talvez ganhariam o bolsa-atleta. Mas não tem nem como irmos, só dá para ir de avião e a passagem é de dois mil reais. É um custo de no mínimo cinco mil reais, o que para um empresário seria pouco, mas ninguém quer ajudar.

EA - O que é preciso fazer para buscar esse apoio, para seduzir, conquistar os empresários e o governo para que eles possam ajudar essas crianças a competir, ou ao menos a ter uma vida digna?

RE - Temos que mostrar para a sociedade, através da imprensa, que essas crianças existem e é preciso o mínimo para que elas tenham uma vida normal, para que elas possam integrar a sociedade e ter um futuro melhor.

Existem alunos que moram no lixão, em casa de papelão, comem comida podre. As crianças às vezes vão lá só para comer. Um café da manha durante o treinamento que eles comem, é tudo, é fundamental, às vezes eles não têm nada para comer. No esporte se você não tem uma alimentação saudável você não é um bom desportista. Lá eles não têm alimentação, literalmente, mas dão muita raça, muita vontade.

EA - A condição dos alunos do Asas do Futuro é muito precária?

RE - Teve uma vez que um aluno tinha escondido um saco de lixo perto da árvore de onde eu dou aula ali na frente e fiquei ressabiado, não sabia o que tinha, se era arma, droga, faca. Era um pernil de porco podre, cheio de bicho já, que ele tava guardando para quando ele fosse embora ele ia levar, era a comida dele. Você encontra meninas de quinze anos que já foram estupradas pelo padastro, pelo pai. É uma situação muito complicada. Além de professor você tem que ser psicólogo, pai, assistente social, isso o governo não dá. Precisávamos de um empresário forte, de uma parceria grande. Não tem interesse político-social-desportivo para alguém ver essa situação. Mas a gente tenta, fazemos nossa parte.

EA - Você se preocupa com os seus alunos fora do horário de aula?

RE - Eu sou professor e acadêmico de educação física, não tenho capacidade de trabalhar a parte sócio-psicológica deles. Voltando do campeonato de Ponta Porã, tive que deixar cada um em sua casa e foi complicado, são favelas, casas de papelão, onde o pai ta bêbado e te atende mal, maltrata o filho na tua frente "esse porcaria foi luta e não ganha nada", ou a mãe ta drogada, então é complicado. O lixão é violento demais, eles correm risco de vida, me preocupo com os alunos, com o caráter deles, com o futuro deles.

EA - Recentemente aconteceu na Capital mais um caso de assassinato após socos e disseram que o assassino era lutador de jiu-jitsu. Você acha correta a forma que a imprensa culpar o jiu-jitsu pelo crime?

RE - Hoje em dia a maioria dos professores de luta são formados em Educação Física, tem uma formação boa e tem como objetivo ensinar a saúde, a competir oficialmente. A mídia cai em cima, o cara treina uma semana e chama ele de lutador de jiu-jitsu. Dá soco todo mundo sabe. É errada a maneira que a imprensa expõe para a sociedade a situação, o que prejudica as academias de lutas, que formam não só lutadores e professores, mas pessoas de caráter. A imprensa não fala que o professor faz trabalho social, que forma cidadãos, isso não falam, porque não dá ibope.

EA - Você considera importante o seu papel, não só de professor de um esporte, mas de ser um mestre, de ser um exemplo a ser seguido pelos seus alunos?

RE - Os alunos são bem interessados, eu converso, falo sobre a situação, o que o taekwondo traz para eles, faço questão de dizer que traz disciplina, autocontrole, que ensina a se defender. Eu enfatizo que o taekwondo é esporte e não arte marcial. Não estou ensinando o aluno para ele bater em alguém, os alunos já tem aquele intuito de briga de rua, então tenho que deixar bem claro: brigou está fora do projeto, não faz mais minha aula.

Outra coisa que eu faço é no final do bimestre pedir o boletim de cada um, quem tiver com nota boa vai participar de evento, quem não tiver vai esperar um pouquinho mais. É uma forma de valorizar o estudo, pois a procura pelo taekwondo é grande, quando tem competição todos os sessenta alunos querem ir.

EA - Há uma preocupação maior na educação e na disciplina do que no esporte em si?

RE - De certa forma, não queremos criar campeões, se for campeão, melhor ainda, fruto do trabalho. Queremos criar pessoas com caráter e incluí-las na sociedade para que elas possam ter uma perspectiva de vida. Tenho um rapaz que trabalha comigo na minha academia, que é filho do projeto social, foi criado lá no Dom Antônio Barbosa. Ele é super disciplinado, então agora treino com ele um pouquinho mais forte, em alto nível, para competir forte. Ele me ajuda na faxina e já faço treinamento mais intensivo com ele, dou alimentação, pago passagem do ônibus. Por exemplo, a mãe dele mora em São Gabriel, e ele falou que queria ver a mãe, que fazia anos que não a via. Dou dinheiro para ele ir passar uma semana lá e voltar.

São coisas que a gente tira do bolso sem ter, mas para mim é tudo, é gratificante. Está no sangue, me dá muita alegria, vou continuar fazendo isso até quando der.

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