Da Redação
A técnica Talitha Silva, de Campo Grande, atua há mais de duas décadas no judô, sendo uma das referências no trabalho com atletas com deficiência visual. O caminho começou ainda na infância, mas ganhou um novo rumo quando ela aceitou um convite inesperado. Desde então, passou a enxergar no esporte uma ferramenta de reabilitação, inclusão e descoberta de talentos.
“Comecei o judô em 1997 em um projeto social. Em 2003, 2004, iniciei no judô paralímpico também em um projeto, dentro da academia onde eu treinava. O técnico que nos dava aula foi convidado a assumir uma seleção de outro país e me chamou para assumir o projeto paralímpico”, conta.
Na época, o desafio era grande. Além da responsabilidade precoce, havia pouca informação disponível. “O maior desafio foi a inexperiência e a falta de embasamento técnico específico. Fui aprendendo com o tempo e com os próprios atletas”, lembra Talitha.
A partir dessa experiência, a técnica passou a enxergar no judô muito mais do que um esporte competitivo. “O que me motivou foi perceber o poder de transformação na vida das pessoas cegas. Ver como o judô pode contribuir com a autonomia e autoestima dessas pessoas me fez continuar”, afirma.
Hoje, Talitha Silva integra a comissão técnica da Seleção Brasileira de Base de Judô Paralímpico. Ela coordena o trabalho desenvolvido no Instituto Sul-Mato-Grossense para Cegos Florivaldo Vargas (ISMAC), que é referência nacional na modalidade. A equipe venceu as duas etapas do Campeonato Brasileiro de Judô Paralímpico em 2024 e já colocou uma atleta nos Jogos Paralímpicos, alcançando o 5º lugar. “Temos atletas na seleção brasileira de base e na adulta. Em média, treinamos de 15 a 20 atletas, desde a iniciação até o rendimento”, explica.
De acordo com a treinadora, a prática do judô paralímpico exige poucas adaptações em relação ao convencional. “Eles treinam normalmente com o pessoal do judô convencional. A principal diferença está nos comandos. Como não há visão, precisamos usar mais explicações detalhadas, comandos verbais e cinestésicos para ensinar os movimentos”, diz.
Talitha também observa uma evolução na visibilidade da modalidade nos últimos anos. “A visibilidade melhorou bastante, especialmente após as Paralimpíadas. Isso tem contribuído com o fomento da modalidade”, reconhece.
Apesar dos avanços, ela destaca a importância de identificar e atrair atletas elegíveis para a prática do judô paralímpico. “O principal desafio é encontrar esse aluno que está nas escolas e ainda não conhece a modalidade. Tem havido incentivo por parte do governo e do Comitê Paralímpico Brasileiro, mas precisamos fazer o deficiente ter acesso à prática”, ressalta.
A técnica destaca ainda o papel das famílias no desenvolvimento dos atletas. Segundo ela, o apoio familiar faz diferença para a formação esportiva e pessoal. “A chance de sucesso do atleta aumenta muito quando ele tem a família por perto, acompanhando e incentivando. Alguns acreditam, outros ainda não veem o esporte como uma possibilidade para a pessoa com deficiência”, afirma.
Em sua trajetória, Talitha acumula experiências com histórias de superação. Ela se recorda de diversos casos de pessoas com depressão que encontraram no esporte uma nova perspectiva. “Existem várias histórias marcantes. Atletas que estavam em sofrimento emocional e, após o contato com o judô, mudaram completamente a realidade de vida”, conta.
Seu objetivo, agora, é ampliar ainda mais o alcance da modalidade. “Meu sonho é seguir utilizando o judô como ferramenta de reabilitação e habilitação, e através disso descobrir novos talentos, classificar mais atletas para os próximos jogos e continuar contribuindo na formação deles”, projeta.
Talitha defende que a sociedade ainda precisa mudar a forma como enxerga as pessoas com deficiência. Para ela, o esporte tem um papel central nesse processo. “O esporte é uma das oportunidades de evidenciar as potencialidades e não as dificuldades. A sociedade, os professores, os gestores e as famílias precisam acreditar mais nisso. O judô paralímpico contribui muito com a autonomia, com a qualidade de vida e com o desenvolvimento das pessoas cegas e com baixa visão”, finaliza.