A história de Cliselma Paré com o judô começou cedo, aos nove anos, quando ela e o irmão participavam de um projeto mirim. Ele iniciou os treinos antes e, logo depois, passou a levá-la junto. A primeira experiência, segundo ela, foi marcante. “Na primeira cambalhota já estava ali nascendo uma judoca.” Foi o início de uma trajetória construída com esforço, persistência e propósito.
Vinda de uma realidade difícil, Cliselma encontrou no esporte um apoio para enfrentar os obstáculos da vida. “Nós passávamos muita dificuldade em casa, e aquele esporte estava me ajudando bastante a vencer meus desafios.” O incentivo do irmão e o acolhimento no tatame transformaram o que era curiosidade em vocação. E o judô deixou de ser apenas uma prática física.
“Judô vai muito além de somente uma arte marcial. Judô é disciplina, respeito, é humildade, são valores e hierarquias que são levados para o resto da vida como ser humano”, resume a sensei, que hoje se dedica à formação de novos praticantes da modalidade.
O caminho até aqui, no entanto, não foi livre de barreiras. Mulher em um espaço tradicionalmente masculino, Cliselma enfrentou o preconceito desde o início. “Quando comecei era total preconceito. Meus amigos falavam ‘você vai ficar igual homem treinando luta’, ‘quem faz luta é só homem’.” Ela revela que sua motivação, em meio a esses comentários, era clara: “Na minha cabeça pensava: quero me defender de todos esses homens.”
Com o tempo, o judô deixou de ser apenas uma forma de autodefesa para se tornar missão. Como atleta, Cliselma guarda com carinho o título de campeã brasileira juvenil, não apenas pelo resultado, mas por ter sido o único campeonato em que a mãe pôde estar presente. “Foi no nosso estado mesmo.” Já como professora, ela destaca o momento em que conquistou a faixa preta e passou a formar crianças e adolescentes com base nos mesmos valores que moldaram sua própria jornada. “Pude formar pequenos homens e mulheres de respeito e humildade. Tive o prazer de fazer campeã já em Brasileiro e realmente é muito satisfatório.”
Atualmente, Cliselma trabalha com crianças a partir dos três anos de idade. O contato precoce com o judô, segundo ela, permite “plantar uma semente de um grande atleta que não desiste fácil dos obstáculos e desafios.” Além disso, ela atua com adolescentes com um foco claro: afastá-los das ruas e das influências negativas, como drogas e bebidas. “Principalmente, criar pequenos cidadãos do bem.”
Ela acredita que o judô oferece mais do que técnica. “Judô se resume em ter disciplina. Aprendemos desde cedo a ter consciência e disciplina com horário e peso nos treinos.” Para ela, respeito, humildade e autocontrole são princípios que se estendem para além do dojo, refletindo-se na escola, no trabalho e na vida pessoal. “Judô não só como esporte em si, mas principalmente a vencer cada obstáculo que a vida pode proporcionar.”
O crescimento do judô em Mato Grosso do Sul é um fator que a sensei acompanha de perto e com otimismo. “Hoje, Mato Grosso do Sul está entre os 10 melhores do Brasil em nível técnico, muitos atletas para fora, a nível de Brasileiros, Pan-Americanos, Sul-Americanos e até mundiais.” A evolução da modalidade no estado tem reflexos diretos no trabalho que ela realiza com seus alunos — vários deles já se destacam em competições. “Olhar o sucesso sendo construído é muito gratificante, melhor o sentimento de dever cumprido.”
Ao olhar para o futuro, Cliselma vê nas artes marciais uma ferramenta poderosa, especialmente para meninas e mulheres. Ela reconhece as dificuldades enfrentadas por muitas delas — ansiedade, baixa autoestima, insegurança — e aponta o judô como um caminho possível. “A arte de fazer um esporte pode não somente ajudar como atleta, e sim como ser humano. Judô serve para todos. Quem tiver a oportunidade de aprender essa linda arte, só aproveite.”