“Eu ainda acredito que tenho condições de voltar a jogar um handebol de alto nível. Tenho um sonho comigo de jogar uma liga nacional representando nosso estado. Quem sabe, né?”. A fala é de Gabriel Lucas da Cruz, ou simplesmente Cruz, como é conhecido por boa parte da comunidade do handebol de Mato Grosso do Sul. Natural de Campo Grande, nascido em 2000, ele começou no esporte por acaso, viveu momentos marcantes com conquistas dentro e fora das quadras, e hoje mora no interior do Pará, onde vive um novo ciclo: o da paternidade.
Cruz não veste mais o uniforme de jogo, mas o handebol continua presente em sua rotina. “Faz mais de 13 anos que estou basicamente vivendo pra jogar esse esporte maravilhoso. É difícil parar assim, mas sei que é necessário”, explica. A mudança para o Pará foi motivada por uma decisão familiar: ele e a esposa optaram por estar próximos dos sogros durante a gestação e o pós-parto da primeira filha, Catarina. “Acho que foi o maior troféu que já ergui”, resume.
A história com o handebol começou ainda na escola, em um momento especial para a modalidade em Campo Grande. “Foi numa época de ouro no nosso esporte em CG, em 2010/2011. A educadora física Edilma Honorato era minha professora na escola Eduardo Olímpio Machado e me chamou pra treinar. Enrolei por meses, mas acabei indo num dia errado, fiz vôlei e depois, por um acaso, ela trocou os horários. Desde então, não consegui mais ficar longe”, recorda.
A base do esporte foi construída ao lado de nomes importantes do handebol campo-grandense: “Tive o privilégio de começar num ano em que tínhamos vários nomes na cena: Alex Fabrício, Luiz Eduardo, Alexandre Espíndola, Gabriel Ajala, Hugo Afonso, Hamilton Santos, Hudson Fernandes, Welington Coelho, nosso querido e amado finado Filipe Fernandes… Foram caras que me ajudaram e me incentivaram muito a seguir com o handebol e a evoluir também”.
Com o tempo, os resultados começaram a aparecer. Cruz conquistou títulos escolares, participou da seleção estadual e foi eleito o melhor armador esquerdo do Centro-Oeste em 2017. “Conquistei uma bolsa atleta pra jogar e estudar numa escola/faculdade particular, participei da seleção do estado em 2017 sendo campeão e ganhando destaque. Infelizmente, foi nesse campeonato que me lesionei e perdi minha bolsa universitária. Eu não tinha uma vida financeira boa para tratar corretamente”, lembra.
Apesar da frustração, ele persistiu. “Por muito tempo joguei machucado porque era teimoso, não ficava de repouso e forçava muito. Muitos diziam que meu tempo já tinha passado, que eu não conseguia mais, que só passava bola, que não corria mais. Isso me marcou muito, pois tirei disso tudo um jeito de dar a volta por cima. Fortaleci minha mente”.
Outro momento marcante foi a chance de treinar com o Esporte Clube Pinheiros, um dos maiores clubes do país. “Apesar de não conseguir efetivar a vaga por conta da lesão, foi algo marcante eles terem pensado em mim”. Em 2019, representando Jales (SP), foi campeão dos Jogos Regionais e depois acumulou medalhas na Liga Paulista, sendo eleito melhor jogador de uma das partidas. Ainda jogando pela Unigran, participou de quatro edições dos Jogos Universitários Brasileiros (JUBs) e foi terceiro colocado em uma delas.
Com o tempo, passou também a experimentar o handebol de areia. “Foi uma experiência muito massa. Pude disputar três JUBs nessa modalidade. Infelizmente não conquistamos pódio, mas foram viagens e experiências incríveis”. Em paralelo, pensou em desistir. “Fiquei frustrado e decepcionado com certas situações. Conversei com minha mulher e falei minha decisão, mas ela me incentivou a buscar outra equipe, que eu jogava muito para parar assim do nada”.
O incentivo funcionou. “No início do ano, o Osvaldo Neto veio perguntando se eu estava afim de jogar o campeonato paranaense. Ele me deu mais esperança. Consegui participar de quatro etapas representando Laranjeiras do Sul. O time está bem demais no campeonato, não perdemos nenhum jogo até o momento. Uma pena que não poderei estar presente nas etapas finais”.
Mesmo afastado das quadras, Gabriel segue ativo fisicamente. “Sigo treinando muito específico para o esporte: muito físico para manter a forma, fundamentos de arremesso, saltos, mudança de direção e velocidade”. Atualmente, ele vislumbra a possibilidade de atuar como treinador. “Já pensei muito sobre isso. Hoje, mais amadurecido, creio que posso seguir nessa jornada futuramente, quem sabe fazer escola aqui no Pará treinando um time escolar”.
Sobre a diferença entre o handebol praticado em Mato Grosso do Sul e o do Pará, ele é direto: “Aqui tem mais campeonatos, estão sempre em atividade. Isso faz com que o nível seja um pouco maior, mas em relação à técnica e talento, nosso estado é tão bom quanto. O que falta é apoio certo, valorização e mais oportunidades”.
Olhando para o futuro, Cruz sonha com o retorno. “Eu quero isso tanto por mim quanto pra minha filha me ver jogar. História pra contar a ela eu tenho de sobra, mas quero poder ter a experiência de viver isso, de jogar com ela na torcida por mim”.
Mesmo longe, ele ainda acompanha, ainda que menos, o cenário sul-mato-grossense. “Temos muito a oferecer. Com esforço, dedicação e vontade de ganhar, podemos chegar mais longe. Se esses meninos tivessem um incentivo, como tive na minha época, poderíamos ver ainda mais talentos brilhando”.
Para quem está começando, o recado é direto: “Treine muito, se dedique e faça valer cada minuto dentro de quadra. Se cuidem fisicamente e mentalmente. Hoje a visibilidade é maior, é mais fácil ser notado. Grava um treino, um jogo, posta. O mais importante de tudo: esforço máximo”.