Da Redação
Aos 23 anos, Eliza Santiago Morelli, nascida em 14 de fevereiro de 2002 em Aquidauana, construiu sua relação com o voleibol a partir da observação e da curiosidade. “Desde muito cedo observava e achava magnífico, mas eu sempre fui muito desprovida de talento”, lembra. Foi apenas em 2017, ao ingressar no Instituto Federal de Mato Grosso do Sul (IFMS), campus de Aquidauana, que teve contato direto com o esporte.
No ano seguinte, conheceu o professor Guilherme Grubertt, que seria peça fundamental para sua evolução. “Foram longos quatro anos treinando fundamento, até a pandemia, mas em mediato tudo que me fez ser em quadra hoje são graças a seu trabalho”, afirma.
O interesse pelo voleibol, segundo ela, veio de forma intensa e natural. “Quando eu via todos jogarem, uma chama ascendia dentro de mim. Mesmo sem saber dar uma manchete ou um toque, eu tinha sede de querer mais. Eu olhava todos jogarem, ficava impressionada com a famosa ‘munheca’ e sempre dizia: nossa, um dia eu quero ter uma dessa. Foi por paixão que cheguei no vôlei, e acredito que o vôlei me escolheu e me curou.”
Para Eliza, o esporte vai além das competições e medalhas. “Os regionais são um dos campeonatos mais gostosos do mundo. A energia é diferente, as interações, as conexões com novas pessoas... pra mim o voleibol traz isso, a conexão e a criação de vínculos de amizade.”
Essa ligação com o esporte ganhou outro significado após sua transição de gênero. “O meu primeiro campeonato depois da minha transição foi os Jogos Abertos de Miranda, onde joguei pela primeira vez em um time feminino. Depois de anos de luta, consegui. Foi uma sensação de liberdade, de conquista, pois só eu sei que a caminhada foi dolorosa. Sim, durante esse caminho existiram estigmas que tentaram repudiar o meu processo, mas eu prossegui firme e não desisti.”
Entre as conquistas, duas competições ocupam lugar especial. “Tenho vários títulos, porém os que mais tenho apego emocional são dois: os regionais e o OnePRIDE-SP. Como eu disse, não é sobre as medalhas, mas sobre as amizades que fazemos. É uma das melhores sensações do mundo.”
Atualmente, Eliza está em um momento de pausa nos treinos competitivos. “Hoje em dia eu dei uma pausa, pois estou focada na minha formação científica. Estou me formando em Biologia e pretendo fazer o mestrado na USP e lá ingressar em algum clube paulista.”
Suas referências dentro do esporte também refletem sua trajetória. “Por um símbolo de resistência e luta pela existência de pessoas iguais a mim no esporte, a Tiffany Abreu. Pela jogabilidade, eu diria Garay e Gabyzinha. Fora de quadra, minha inspiração é o espelho. Me olho todos os dias e auto declaro que sou forte e consigo, por isso nunca desisto.”
Ela reconhece que os desafios enfrentados vão além das quadras. “Olha, é um assunto complicado, ainda mais quando falamos de uma atleta preta, periférica e trans. Complica muito mais. A dificuldade não tem fronteira, os estigmas não têm rosto, mas sou forte e lutarei incansavelmente pelo meu lugar e pelo meu direito. Nada vem por acaso. A lei nos ampara, a medicina nos ampara, mas infelizmente vivemos em uma sociedade que coloca dogmas religiosos, senso comum crítico baseado em achismo e intolerância para descredibilizar nossa luta nas quadras.”
Apesar dos obstáculos, Eliza mantém os objetivos claros. “Sim, penso em seguir carreira profissional, porém passei dessa fase. Hoje meu foco é formação. Depois venho com tudo. Nunca é tarde para você alcançar seus sonhos, desde que se esmere naquilo que tanto almeja. Em 2027 estarei com tudo nas quadras.”
Fora do esporte, Eliza dedica seu tempo à educação. “Sou professora, então meu hobby é ensinar e preparar a nossa nova geração. O caminho da educação é transformador. Além disso, amo ir em um rachão e também amo academia.”
Com uma trajetória marcada pela perseverança, Eliza Morelli une esporte, estudo e militância em um mesmo propósito: abrir espaço e garantir direitos para que outras pessoas como ela possam sonhar e jogar. Como resume, olhando para si mesma e para o que construiu até aqui: “Sou forte e consigo. Por isso, nunca desisto.”