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Mikaella Lima rompe barreiras e transforma o esporte com inclusão e resistência

da redação - 30 de abr de 2025 às 16:11 213 Views 0 Comentários
Mikaella Lima rompe barreiras e transforma o esporte com inclusão e resistência Da Redação

A história de Mikaella Lima Lopes, nascida em Luziânia (GO) em 29 de setembro de 1983, é marcada pela determinação e pela busca por espaço e respeito no esporte. Primeira mulher trans a atuar como árbitra de voleibol do Brasil e também a primeira a jogar na categoria feminina em Mato Grosso do Sul, Mikaella construiu sua trajetória a partir de enfrentamentos constantes ao preconceito e à exclusão.

Ela iniciou no voleibol aos 13 anos, na Escola Municipal Domingos Gonçalves Gomes, em Campo Grande, sob orientação da professora Maria de Jesus. “O esporte da e na escola me ensinou a paixão pelo voleibol”, relembra. Desde cedo, no entanto, Mikaella enfrentou resistência. “Como na época eu era uma criança LGBT — e é isso mesmo, sociedade, CRIANÇA LGBT — sofria preconceitos por ser afeminada e considerada a 'gay da escola que joga vôlei'”, conta.

A transição de Mikaella aconteceu de forma tardia em comparação aos padrões atuais. Ela atribui isso à ausência de representatividade e à origem em uma família conservadora. “Só alcancei minha felicidade de ser quem realmente sou quando, aos 18 anos, saí de casa para viver minha vida em sua totalidade”, afirma. Em Cuiabá (MT), entre 2011 e 2015, Mikaella jogou como líbero no time do CEBRAC, ainda em competições masculinas, mesmo já vivendo como mulher trans. “Era engraçado, porque quando íamos jogar no interior, eu ouvia: ‘Ué, pode mulher jogar com homens?’”, relembra.

O processo de reconhecimento civil e esportivo de sua identidade de gênero foi um marco fundamental. Com a decisão do Comitê Olímpico Internacional (COI) em 2016 de permitir a participação de pessoas trans no esporte, Mikaella buscou regularizar seus documentos. “Fui a um defensor público para realizar a retificação civil, documento exigido para adequação ao esporte e às regras de inclusão”, explica.

A conquista teve impacto direto em sua carreira. Em 2017, Mikaella participou do curso de formação de árbitros realizado pela Federação de Voleibol de Mato Grosso do Sul (FVMS), foi aprovada nas avaliações e tornou-se oficialmente árbitra, registrada na Confederação Brasileira de Voleibol (CBV) e na Confederação Brasileira de Árbitros de Voleibol (COBRAV).

O caminho até jogar no vôlei feminino exigiu ainda mais paciência. Ela ficou dois anos apenas treinando, enquanto finalizava o processo de adequação civil. “Quando peguei minha retificação chorei de felicidade, pois era o único documento que faltava para que eu pudesse jogar na categoria à qual eu pertenço hoje”, relata.

A prática esportiva não significou apenas um espaço de inclusão. Para Mikaella, o esporte é uma questão de vida. “É sabido que a população trans no nosso país tem expectativa de vida de apenas 35 anos. Tenho 41 anos e isso se deve ao esporte, que além de ser um direito, me trouxe saúde e mais felicidade”, afirma.

Com o acúmulo de vivências, Mikaella defende a informação como a principal ferramenta contra o preconceito. “A informação correta é a única forma de quebrar o preconceito que é muito forte em cima das mulheres trans, e são em todas as etapas da nossa existência”, analisa. Ela aponta que a exclusão começa ainda na infância, quando crianças trans têm sua identidade negada.

A experiência como árbitra trouxe episódios que marcaram profundamente Mikaella, como o dia em que presenciou a exclusão de um menino trans em um torneio escolar. “Me cortou o coração ver uma criança proibida de brincar com os amigos. Ele estava uniformizado e vetado só porque era um menino trans. Eu aguento as porradas da vida, mas ele era só uma criança querendo brincar”, lembra.

Sobre o preconceito, Mikaella relata que a maior parte é “velada”. “Nunca chegaram em mim diretamente para proferir palavras de ódio. Redes sociais eu pouco me importo, porque uma pessoa que se esconde atrás de uma tela não tem coragem de se posicionar pessoalmente”, avalia. Para ela, o esporte exige dedicação e preparação, e não se pode falar em "vantagem" simplesmente pelo fato de ser trans. “O que ganha jogo é treinamento e entrosamento”, sentencia.

Mikaella reforça o papel das entidades esportivas na inclusão, defendendo que a fiscalização e o cumprimento das regras cabem a elas, e não ao discurso político oportunista. “Não aceitaremos retrocesso. Nós não queremos tirar mulheres cis desses espaços. Estamos ocupando nossos lugares conquistados”, assegura.

Ela diferencia ainda o esporte amador, em que atua, do esporte de alto rendimento. “O esporte que participamos é doméstico, amador. Jogamos por amor ao esporte, não há ganhos financeiros. Quando vejo políticos falando que estamos tirando lugar das mulheres cis, percebo que é gente que nunca foi assistir a um jogo”, diz.

Ser pioneira, segundo Mikaella, vem acompanhado de responsabilidade. “Você tem que ter uma conduta exemplar para desmistificar o preconceito. Como pessoa trans, você precisa fazer o dobro para ser reconhecida e ter o mínimo de respeito”, afirma. Entre as referências que cita estão as atletas Alessia Meri, da Europa, e Tifanny Abreu, do Brasil.

Hoje, como coordenadora da Associação das Travestis e Transexuais de Mato Grosso do Sul (ATMS), Mikaella orienta outras mulheres trans que desejam ingressar no esporte. “Fico muito feliz quando vejo que elas estão jogando. Dá para ver a felicidade no olhar delas”, diz.

Para quem sonha em seguir seus passos, Mikaella deixa um recado direto: “Não podemos aceitar nenhum tipo de retrocesso na garantia de nossos direitos. Estudem, falem sobre, quebrem preconceitos, ouçam, denunciem transfobia. Esporte é vida, esporte é saúde, esporte muda vidas. Nunca desistam”.

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