A capoeira entrou na vida de Diogo Espírito Santo Trindade, hoje conhecido como Diogo “Musquito”, por meio da televisão, ainda nos anos 1990. Foi assistindo ao filme Esporte Sangrento, em que um militar norte-americano utiliza a capoeira para transformar a vida de jovens à margem da criminalidade, que ele teve o primeiro contato com a arte afro-brasileira. “Na época, o que chamou muita atenção foram os movimentos de luta, afinal eu era fã desse estilo de filme, mas principalmente a musicalidade, que se diferenciava das demais artes marciais.”
Natural de Corumbá (MS), Musquito começou a praticar capoeira no final da década de 1990, influenciado também por um primo mais velho. “Junto com dois colegas de escola resolvemos começar os treinos, isso lá em 1998/1999”, lembra. No final de 1999, mudou-se de cidade, e, durante o tempo em que estudou Zootecnia na faculdade em Aquidauana, a capoeira perdeu espaço na rotina. Foi nessa fase que o apelido "Musquito" surgiu, dado pelos colegas, e acabou se tornando parte da identidade.
A paixão, no entanto, nunca desapareceu. Entre idas e vindas por diferentes cidades e estados, Diogo manteve a ligação com a capoeira, mesmo que de forma esporádica. “Muitas vezes como uma brincadeira, ou fazendo algumas aulas quando tinha a oportunidade, porém nunca de maneira séria.”
Isso mudou há cerca de sete anos, quando ele conheceu o Projeto Capoeira Salva, idealizado pelos contramestres Bombeiro e Jardel Souza, por meio de uma busca nas redes sociais. “Me identifiquei logo com a filosofia e treinos, uma vez que abrange a Capoeira tanto como cultura quanto luta.”
Hoje, além de aluno, Diogo é também orientador dentro do projeto. Recebeu a graduação de estagiário há três anos e passou a auxiliar nas aulas. Em 2023 e 2024, deu aulas em uma escola particular. Desde junho deste ano, lidera um dos polos do projeto na Praça de Esporte do bairro Jockey Club, em Campo Grande. “Dou aulas para a comunidade de forma gratuita, sendo um dos polos do Projeto Capoeira Salva, que hoje está com sete polos pela cidade, entre escolas estaduais e associações, além de um na cidade de Miranda.”
A proposta do projeto vai além dos movimentos acrobáticos e das rodas de capoeira. “Nossas aulas não ficam presas apenas em movimentos, ataques, defesas e acrobacias. Trabalhamos o lúdico, tem o momento de teoria, onde é passada a história da capoeira ao longo do tempo, história que se funde com a própria história do Brasil.” Diogo acredita que esse conhecimento ajuda os alunos a refletirem sobre o presente: “muitas vezes fazendo um paralelo de como esses fatos podem nos ajudar nos dias atuais.”
Apesar do crescimento e do impacto do projeto, o desafio financeiro é constante. “Uma grande dificuldade que enfrentamos, sem dúvida, é a financeira, uma vez que muitos dos alunos não têm condições sequer de comprar um uniforme.” Segundo ele, rifas e parcerias pontuais ajudam a manter as atividades em funcionamento.
O projeto já tem resultados concretos. Alguns ex-alunos cursam atualmente Direito, Enfermagem e Educação Física. “Temos como ideal formar cidadãos de bem, responsáveis, sempre orientando os alunos a focarem nos estudos.” Para Musquito, essa é a essência do projeto: “A capoeira tem na sua origem o anseio pela liberdade, e de certa forma, isso continua até hoje, mesmo que as amarras sejam outras.”
Em junho, Diogo integrou uma delegação de sete pessoas que participou de uma competição em Salvador (BA). Ele afirma que mais atletas poderiam ter ido, caso houvesse mais apoio. Ainda em 2024, Diogo deve receber sua graduação de professor. Mas, para ele, o título é apenas parte do processo: “Esse não é o único objetivo do Projeto.”
A capoeira, diz, funciona como ferramenta de transformação para crianças e adolescentes que enfrentam realidades difíceis. “A capoeira entra na vida de muitos como fuga da realidade, onde muitos não têm apoio familiar e a capoeira entra como alternativa para que estes não entrem para a marginalidade.”
Musquito também vê a capoeira como um vetor cultural de grande alcance. “Hoje em dia a Capoeira está espalhada mundo afora, sendo o maior difusor da língua portuguesa pelo mundo, pois todos os praticantes têm que cantar as músicas em português.” Para ele, essa dimensão cultural e histórica precisa ser valorizada e ensinada. “Acredito que isso eu acabo transmitindo através das minhas aulas. É isso que eu quero passar para os meus alunos: o ideal de respeito, disciplina, valorização da ancestralidade, de nossa cultura.”
Além de seu envolvimento com a prática e o ensino da capoeira, Diogo também ocupou um espaço de representação política: foi Conselheiro Municipal de Cultura no biênio 2023/2025, representando a capoeira no órgão. “É um cargo que nunca tinha passado pela minha cabeça, e a capoeira me proporcionou.”
A trajetória de Diogo Musquito reflete a essência do que o Projeto Capoeira Salva busca construir: oportunidades, conhecimento e transformação. “O maior combustível que toca o Projeto Capoeira Salva é o amor pela capoeira e a dedicação dos alunos.” E, como ele mesmo lembra, a capoeira sempre cumpriu esse papel social. “Historicamente, a Capoeira vem fazendo esse serviço. Lembra do filme que citei lá no início? É justamente isso: foi percebido e retratado muito antes do Brasil perceber a riqueza que tem.”