Francisco das Chagas Brandão da Costa tem 60 anos, nasceu no interior do Maranhão e vive em Mato Grosso do Sul há mais de três décadas. Servidor público federal, ele encontrou na musculação uma ferramenta de mudança de vida — e transformou o fisiculturismo em um desafio contínuo contra padrões, limitações impostas pela idade e, principalmente, contra ele mesmo.
“Minha maior motivação é me desafiar o tempo todo. Não consigo viver no modelo padrão que dita as regras do meu ambiente, do meu cotidiano”, resume. Com uma trajetória marcada por superações físicas, cirurgias e títulos nacionais, Francisco planeja voltar aos palcos em 2026.
Nascido em Novo Horizonte, povoado do município de Araioses (MA), Francisco viveu até os 19 anos no interior. Aos 20, foi aprovado em Ciências Biológicas na UFPI, em Teresina. Depois, prestou concurso para o Ministério da Saúde em Brasília. “Para minha surpresa, fui o segundo colocado no concurso”, recorda.
Em 1992, já estudando para novos concursos, prestou prova do TRT de Mato Grosso do Sul. Em 1993, tomou posse e passou a residir em Campo Grande. “Assim me tornei sul-mato-grossense de coração há 32 anos”, diz.
Foi justamente em Campo Grande que a musculação entrou em sua vida, a princípio por sugestão de uma colega de trabalho. “Ela disse: ‘Chagas, comece a praticar musculação, você é muito magro’. E eu era mesmo. Não parei mais.”
A estreia no fisiculturismo veio mais tarde, em 2019, após incentivo de um amigo e atual treinador, Leandro Cortada. “Ele chegou pra mim e falou: agora quem vai subir nos palcos do fisiculturismo é você.” Com porte físico classificado para a categoria Men’s Physique, iniciou a preparação no fim de 2019. Mas a pandemia interrompeu os planos iniciais.
O retorno veio em novembro de 2020, no campeonato Master Brazil da Musclecontest, onde conquistou um TOP2. “Voltei e falei pro meu treinador da época: quero voltar no próximo ano lá e ser o TOP1.” Em 2021, conseguiu. E, em seguida, partiu para o Olympia, um dos principais palcos do fisiculturismo.
“Na semana anterior ao Olympia, competi em Campo Grande e peguei TOP2 nas duas categorias que participei. Na semana seguinte, me consagrei TOP1 no Olympia Brasil 2022 na categoria acima de 45 anos e TOP4 na acima de 40 anos. Foi um momento espetacular.”
As conquistas vieram com sacrifícios. “Durante a preparação pro Olympia eu sentia muitas dores no ombro. Descobri que tinha rompido o tendão do supraespinhoso.” A cirurgia veio em 2023, seguida de oito meses de fisioterapia.
A lesão, no entanto, não o afastou dos palcos. Em abril de 2024, no Arnold South America, ficou com TOP3, mesma colocação obtida no Brasileiro de Campinas, em dezembro. A meta seguinte era disputar o Arnold novamente em 2025, mas uma nova lesão no tendão do cotovelo adiou os planos. “Desta vez fiquei dois meses e meio sem treinar. Voltei há três semanas e vou começar a preparação para o Arnold 2026 a partir de agosto.”
Dieta e rotina
Francisco explica que o planejamento de um fisiculturista envolve ciclos intensos de alimentação e treino. “No off season eu como em torno de 5 mil calorias por dia. Na finalização, a dieta fica em torno de mil calorias.”
O processo também inclui hiper-hidratação e estratégias para reduzir a retenção de líquidos e destacar o volume muscular. “Esta é a última fase antes de subir no palco, chamada de carb up. Após o campeonato podemos comer à vontade, e então vem o rebote. Em uma semana, eu aumento 12kg de peso.”
O maior desafio? A constância. “O fisiculturismo é implacável. Se eu errar uma das etapas, não vou conseguir subir competitivo. Comer demais é muito pior que comer de menos. Tem dia que às 22h eu tô empurrando comida goela abaixo.”
A preparação exige mais do que físico: exige mente forte. “O desafio de comer muito e de comer de menos, treinar mesmo cansado, com fome, com dor, zonzo, e depois ter que fazer uma hora de cárdio, estes são os principais desafios.”
Para ele, o esporte lapidou sua resiliência. “O fisiculturismo só melhorou minha disciplina e meu comprometimento com o resto das minhas atividades.”
Inspiração e quebra de paradigmas
Com 60 anos, Francisco já é reconhecido nos bastidores das competições como exemplo. “Inspira, e muito. E no Brasil, eu sou o mais idoso no back stage.” Muitas vezes, os colegas se espantam ao saber sua idade. “Alguns falam que se pensavam em desistir, depois de me conhecerem deixaram de pensar isso.”
Ele defende que idade não é limite. “A idade cronológica não corresponde à idade mental. O meu cérebro tem 30 anos e já tenho o dobro deste tempo de vida. Não consigo me achar velho.”
Conquistas
Francisco soma 10 troféus em competições oficiais desde sua estreia:
2 troféus de TOP1 – Brasileiro 2021 e Olympia 2022;
3 troféus de TOP2 – Campo Grande 2021 (duas categorias) e Brasileiro 2020;
2 troféus de TOP3 – Arnold 2024 e Brasileiro 2024;
2 troféus de TOP4 – Olympia 2021 e Arnold acima de 45 anos;
1 troféu de TOP5 – Regional Campinas e 1 medalha TOP5 no Brasileiro 2024.
O título mais especial? O Olympia 2021, onde ficou em quarto lugar competindo com atletas de até 15 anos mais jovens. “Achei o melhor título em virtude da dificuldade. Eu tinha 57 anos.”
Fisiculturismo no MS
Apesar de residir em Campo Grande desde 1993, Francisco só participou de uma competição local. Ele acompanha de longe, mas reconhece a evolução dos atletas no estado. “Cada ano vejo que o investimento na melhora do físico tem sido bem marcante.”
Por outro lado, critica a falta de apoio. “Não existe patrocínio. Uma associação em Brasília da qual sou membro tem custeado os últimos campeonatos.”
Sem planos para atuar como treinador ou montar um projeto social, ele projeta uma atuação diferente após se aposentar do serviço público. “Quero fazer palestras sobre o poder que temos guardado em nós. É despertar nas pessoas a grandiosidade que está latente. Empoderar pessoas a ter a melhor performance em qualquer atividade.”
Enquanto isso, segue no foco. “Já fizemos uma programação, eu e meu treinador, para a preparação para o Arnold South America 2026. Retorno à preparação em agosto.”
Francisco defende o esporte como ferramenta de transformação, principalmente na maturidade. “A ciência mostra que o esporte melhora a saúde física e mental. A vida é movimento. Ficar parado contradiz a ter uma boa vida.”