Natação | Olimpíada Todo Dia | 25/07/2020 11h07

CBDA explica critérios da Missão Europa e admite mudanças

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A discussão sobre a falta de apoio à natação feminina esteve nos holofotes esportivos na última semana. A partir de uma publicação de Poliana Okimoto, atletas da modalidade criticaram o fato de apenas uma mulher entre 15 atletas foi convocada para a Missão Europa, ampliando o debate sobre incentivo ao esporte feminino. Por isso, o Olimpíada Todo Dia foi ouvir o outro lado da história, o da CBDA (Confederação Brasileira de Desportos Aquáticas), para esclarecer a situação.

“Eu e a CBDA não temos nenhum problema com convocação feminina. De maneira nenhuma. Muito pelo contrário, a gente faz cada vez mais votos para que mais atletas participem da seleção brasileira, independente de gênero. A gente quer a maior seleção possível. Em nenhum momento a gente preferiu homens em relação às mulheres nessa ação olímpica”, explicou Eduardo Fischer, diretor de natação da CBDA.

Ex-atleta olímpico, Fischer explicou então qual foi o critério adotado pela entidade para convocar os atletas para a Missão Europa, em Portugal. “A gente recebeu uma ligação do COB (Comitê Olímpico do Brasil) dizendo que queriam pegar nossos convocados olímpicos para treinar. Mas na verdade, a gente não tinha convocados, porque a nossa seletiva não aconteceu. Então a gente começou a quebrar a cabeça de como fazer um critério se não teve seletiva olímpica? E aí, o critério que a gente achou o mais correto possível foi pegar os atletas que já conquistaram o índice olímpico. E nesse critério, só tinham duas meninas”.

“O questionamento das meninas procede. Eu concordo que de alguma forma a gente tem que identificar o porquê de elas não estarem conseguindo fazer o índice olímpico. O que eu não posso é mudar a regra. O critério era objetivo e eu gosto de muito de trabalhar com critério objetivo, porque tem menor margem de erro. Se eu falar que vamos levar todo mundo que tem chance de índice olímpico, fica muito aberto. Quanto que é essa chance?”, questionou.

O revezamento
Na natação, os 12 primeiros colocados do revezamento no Campeonato Mundial vão direto para os Jogos Olímpicos. As outras quatro vagas são distribuídas, assim, através do ranking mundial aos quatro melhores tempos do mundo. No Mundial de 2019, as meninas do revezamento 4 x 100 m livre ficaram longe do índice técnico imposto e portanto, não disputaram a competição.

No entanto, o quarteto feminino brasileiro registrou a segunda melhor marca da repescagem em 2019, atrás apenas da França, e estaria pré-classificado para Tóquio-2020. Houve, então, reclamações das atletas sobre o motivo de o revezamento 4×100 m não ter ido à Missão Europa, questionando até se a CBDA sabia da marca ou não.

“Isso não procede. A gente sabe, tem documento publicado no site da CBDA… Como o revezamento feminino não entrou no Mundial, ele entra no sistema de repescagem e tem que ficar entre o 13º e 16º tempo do mundo. E tem uma regra da CBDA de tempos que diz que esse tempo tem que ser igual ou melhor ao oitavo tempo do Mundial de Gwangju em 2019. Esse tempo é 3min38s55 e o melhor tempo das meninas é 3min40s28. Então, se a Olimpíada fosse hoje, elas não iriam. Não é que a gente não sabia a posição das meninas, a gente tem total consciência. E inclusive acha que elas vão fazer o índice”, explicou o diretor de natação da CBDA.

Entendendo o problema
A questão da natação feminina vai muito além da Missão Europa, que “apenas” escancarou a realidade da categoria. O problema é estrutural e por que não, histórico. Reconhecendo isso, Fischer entende a necessidade de promover mudanças internas na entidade.

“A gente percebe que elas estão chateadas com o fato de ser sempre uma seleção masculino, é histórico no nosso país. E aí a gente tem que entender o porque de só ter duas meninas que conseguiram o índice. Por que as meninas não estão conseguindo chegar no mesmo nível dos homens? Talvez a gente tenha que ter uma abordagem diferente, adaptar os treinamentos para que elas consigam ter bons resultados”.

Isso passa também por trazer mais mulheres para cargos nas comissões técnicas, assim como nas administrativas. “A gente tem que entender que as mulheres são diferentes em termos de puberdade, crescimento corporal, o fato da menstruação. E aí a gente tem um problema sério no Brasil, porque tem uma maioria de treinadores homens. Eu fiz uma live na CBDA só com mulheres treinadoras e foi muito bacana, porque eu ouvi uma realidade diferente daquela que eu infelizmente convivo, que é majoritariamente de treinadores homens. Então talvez a gente precise ter mais treinadoras mulheres. Talvez aí esteja o segredo”.

“Quanto mais treinadoras mulheres a gente tiver, mais a gente vai encorajar as atletas. Porque eu concordo que pode ser um pouco intimidador às vezes a menina entrar em um ambiente majoritariamente masculino. É difícil. O que a gente tem que mudar é a cultura do esporte. A gente não pode mais aceitar que o esporte é masculino e se conformar com isso”, completou.

Apito inicial
Fato é que esse movimento das atletas surtiu efeito. A CBDA parou para ouvir as reivindicações delas e reconhece as carências. Foi, talvez, o apito inicial para que as coisas comecem de fato a mudar. Ou para pelo menos mostrar que elas estão aqui e não vão se calar.

“Acho que foi um pontapé. Essa ideia (de auxílio à natação feminina) existe desde 2018, mas não dependia de mim. Agora sim, depende de mim. Tenho autonomia para criar um grupo de trabalho, apresentar um projeto seja para a CBDA, seja para o COB, e posso colocá-lo em prática. E toda essa divulgação na mídia das meninas talvez tenha sido relevante para a gente iniciar uma ideia, focando principalmente na Olimpíada de Paris-2024. Sem dúvida é algo que a gente tem que trabalhar e já começou a trabalhar”, afirmou Fischer.

Já começou, porque após as críticas das atletas, a CBDA as chamou para uma reunião e já tomaram os primeiros passos. “Nessa reunião surgiu a ideia de trazer uma treinadora estrangeira e montar um outro grupo de trabalho com técnicas brasileiras. Existem meios para a gente mudar esse paradigma. E se existem meios, a gente vai tentar fazer. Já começamos então com esse grupo de trabalho pelo Whatsapp com as meninas e agora estamos debatendo que treinadoras vamos incorporar nesse grupo e qual modelo exterior a gente vai poder usar de espelho para tentar incrementar a natação feminina”.

As lições que ficam
“O que não pode é a gente ser agora taxado de culpado, porque a gente tinha um critério e não fugimos do critério. A gente quer incluí-las. Eu estava em Atenas-2004 naquela final e tenho muito orgulho de ter visto a Joanna Maranhão ficar em quinto. Ela foi uma das melhores colocadas do nosso país e isso demonstra que há potencial feminino. Então a gente só tem que entender onde que está a diferença, essa chavinha que a gente precisa apertar para dar esse impulso necessário”.

Sendo assim, mais do que surtir efeito, o movimento em prol da natação feminina deixou lições valiosas aos dirigentes da CBDA. Agora cabe a eles tomarem as atitudes necessárias para, quem sabe, mudar essa realidade de uma vez por todas.

“O nado peito no Brasil, por exemplo, sempre foi ‘ruim’. A gente começou a mudar isso, mais atletas passaram a nadar peito e tivemos aquela seletiva olímpica fantástica para Pequim-2008, em que quatro atletas fizeram o índice olímpico. Isso nunca tinha acontecido. Então o que foi feito no nado peito para pular de não ter ninguém para ter quatro classificados para Olimpíada? E faço esse paralelo com o feminino. O que a gente precisa fazer para passar de duas para quatro, seis, oito meninas?”

“A lição que eu tiro, então, é que alguma coisa tem que ser feita. É entender que dentro da CBDA há coisas que a gente pode fazer para entender onde está o X da questão. Isso serviu de lição para a gente tirar aquilo que estava só no papel e colocar em prática. A gente tem meios para fazer isso e vai fazer”, concluiu Eduardo Fischer.

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