Bate-Bola | Jeozadaque Garcia/Da redação | 09/08/2010 13h21

Bate-bola: Douglas Rogério Torraca

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Douglas Torraca

Formado em jornalismo pela Uniderp/Anhanguera, o campograndense Douglas Rogério Torraca é um "cigano" das redações. As passagens por Rádio CBN, Jornal O Estado, Midiamax, além de diversos veículos do Paraná e Santa Catarina, deram bagagem e conhecimento sobre diveras modalidades, em especial o futebol.

No Bate-bola, ele conta um pouco sobre seu começo no jornalismo esportivo e experiências, e defende que "Mato Grosso do Sul tem um enorme potencial para revelar jogadores, mas eles não são valorizados e saem muito cedo seduzidos por propostas de empresários"

Esporte Ágil - Como surgiu seu interesse pelo jornalismo esportivo?
Douglas Torraca - Sempre fui apaixonado por futebol e esportes desde criança, minha balada é em estádio de futebol (muitos risos). Essa paixão foi surgindo em conta-gotas. Morava perto do Morenão e do Guanandizão, era tradição meu pai me levar para eventos esportivos nos domingos. Meu pai foi atleta das divisões de base do Operário de Ponta Grossa (PR) e meu tio Márcio Sérgio Torraca (que descobriu Danilinho, ex-Santos, Atlético-MG e hoje no futebol mexicano) jogou nos anos 90 pelo Comercial de Ponta Porá, isso também ajudou bastante. Quando minha família se mudou de Campo Grande para Naviraí, comecei a acompanhar futebol pelo rádio. Na tentativa de sintonizar uma estação para escutar notícias do Operário, acabava encontrando emissoras gaúchas e paranaenses. No início dos anos 90, a cidade se mobilizava com a ótima campanha da SEN (Sociedade Esportiva Naviraiense), vice-campeã estadual em 90 e 91. A Naviraiense tinha um timaço como o goleiro Marcão, o lateral Luis Dias, Mauro, Corina, os irmãos Edílson e Jadilson, o meia Paulo Henrique, que depois foi atuar na Inter de Limeira, e o atacante Cido, ex-Comercial. O fato de o meu pai comandar o policiamento no estádio Virotão facilitava minha entrada no local. Também adorava colecionar revistas como Placar e assistir ao Show do Esporte nos domingos. Foi a partir daí que tudo começou. Sou apaixonado por futebol, não importa se é torneio amador do bairro Guanandi, campeonato paraguaio, gaúcho, argentino ou italiano.

EA - Acha que o rádio é uma escola que caiu no esquecimento para os jornalistas esportivos?
DT - O rádio passa por uma transformação sem perder sua essência e imediatismo. A tecnologia age velozmente para aprimorar isso. É possível sintonizar o aparelho na internet sem ruídos. O rádio evoluiu e os profissionais precisam acompanhar esta evolução. É difícil alimentar uma paixão e atrair novos adeptos a um Estado em que o mercado do futebol inexiste. Seguindo este raciocínio, pra que o estudante de jornalismo vai optar pelo radio jornalismo, se não há espaço para ele? Isso aconteceu comigo. Por muito tempo, profissionais do rádio como Silva Jr. e Soares Filho, alimentaram meu sonho de se tornar um repórter esportivo de rádio, mas não encontrei campo aqui e acabei migrando para o jornalismo imprenso. O rádio é um ótimo laboratório, todo jornalista deveria começar e aprender no rádio.

EA - Qual evento que você fez cobertura e que ficou marcado em sua memória?
DT - Foram tantos em tão pouco tempo. Fiz coberturas do Brasileirão da Série A, B e C, 3 Copas do Brasil, Copa Sul-brasileira com o Serrano (PR), Estaduais do Paraná, Santa Catarina, Mato Grosso do Sul e Goiás. Liga Futsal com a JEC Krona e Malwee Jaraguá com o Falcão, Liga Nacional de Vôlei com a Tigre/Joinville do Giovane Gávio e o Joinville Basquete na NBB com o grande mestre Alberto Bial (irmão do apresentador Pedro Bial). Mas, com certeza, o mais importante foram dois jogos da Seleção Brasileira contra Portugal pela Liga Mundial, em 2004. Recordo de um fato pitoresco. Na época, eu e o fotografo Márcio Rolón chegamos pouco menos de meia hora antes de iniciar a primeira partida daquele Mundial. Mal orientados por um policial militar, acabamos, sem querer, entrando na cabine de imprensa da Rede Globo. Quando tentávamos sair do local, veio o Galvão Bueno tropeçando quase caindo em cima de nós. Foi hilário. No fim da partida, a imprensa local não respeitou a faixa e invadiu a pista destinada aos profissionais da emissora carioca. (muitos risos). Eles perderam o ao vivo. (mais risos.

EA - E quanto ao blog Pelota Pantaneira, como você "desenterra" tantos jogadores sul-mato-grossenses espalhados pelo Brasil e pelo mundo?
DT - Não diria que desenterro jogadores (muitos risos.). Apenas tento mostrar que apesar do nosso campeonato ser totalmente desinteressante ainda há bons valores nascidos e descobertos aqui no Estado, que não são aproveitados pela dupla Comerário ou pelo Cene. Faço uma pesquisa apurada por sites de esportes e fico de olho no BID da CBF. Em breve todo este acervo digital vai virar livro. Como falo espanhol fluentemente e um pouco de italiano e inglês, isso ajuda na busca dos sulmatogrossenses perdidos pelo mundo, encontrei atletas até no Vietnã e Indonésia.

EA - Você concorda quando dizem que o futebol de Mato Grosso do Sul está no fundo do poço? Por quê?
DT - Não concordo. Mato Grosso do Sul tem um enorme potencial para revelar jogadores, mas eles não são valorizados e saem muito cedo seduzidos por propostas de empresários. Temos atletas titulares em clubes da Alemanha, Inglaterra, Japão e Portugal. O que não temos é um torneio local atrativo e organizado. Sem apoio do empresariado local, o clube não tem receita, não tem elenco competitivo e isso pesa também para o torcedor, que não se sente atraído pela competição.

Em outros estados em que trabalhei (Goiás e no Sul do País), os clubes dependem mais da iniciativa privada, não esperam a boa vontade do poder político. A resposta do publico é imediata. No Paraná, quando fui assessor do Serrano viajei o estado todo em uma equipe que era bancada por 30 pequenas empresas. A cidade de Prudentópolis, sede do Serrano e com menos de 80 mil habitantes, inteira se mobilizou.

Carros de som anunciavam o próximo jogo do time pelas principais ruas da cidade. As rádios sorteavam ingressos e brindes. Criaram até uma loja com artigos da agremiação. Torcedores locais largavam camisetas de equipes paulistas e paranaenses e vestiam o uniforme do clube que representa a cidade. O público era tão fanático que cobrava dos jogadores como fossem atletas de clubes grandes.

Nos finais de semana, quando o Serrano duelava com os grandes times da Capital em Curitiba, torcedores se aglomeravam no CTG ou nas duas maiores pizzarias e churrascarias da cidade, onde eram instalados enormes telões. Em Joinville-SC, até a liga amadora é organizada com times de operários divididos em três divisões com direito a casa cheia. Aqui no MS, as equipes não conseguem sobreviver sem dinheiro dos cofres públicos e entram em extinção. Neste ritmo, o torcedor permanece em casa e assiste aos jogos do Paulistão ou Carioca que, na minha avaliação, como torcedor operariano, são campeonatos inúteis.

EA - Na sua opinião, por que o interior dominou por tantos anos o Estadual da série A ? Seria má gestão dos clubes da Capital?
DT - Na minha ótica, o Estadual é uma competição que já nasceu morta. No interior, o futebol é mais atrativo do que na Capital. É diversão garantida no fim de semana. O estádio vira ponto de encontro de jovens, crianças e namorados. Boa parte da culpa provém dos dirigentes da Capital que não tem a mesma visão mercadológica que os times do interior. Naviraiense, Serc e Águia Negra, por exemplo, trazem atletas do Paraná, Minas Gerais, Goiás e SP que possuem torneios mais organizados. Portanto, quando o Estadual não começava tão tarde, esses jogadores atuavam aqui no primeiro semestre e depois voltavam para seus estados de origem para disputar as divisões inferiores. O Cene conquistou seus títulos estaduais apostando em uma mescla de jogadores da base com veteranos e atletas forasteiros. Quando tudo estava se encaminhado, porém, os proprietários do clube cortaram os recursos na carne e o Cene tornou-se cada vez mais o primo pobre do Atlético de Sorocaba, por não recebe tantos investimentos que a matriz paulista. Sou fiel defensor das categorias de base, mais ainda aposto naquela antiga fórmula de mesclar atletas juniores com um ou dois veteranos e mais alguns jogadores de fora do Estado pra deixar o plantel mais equilibrado. Foi o erro de planejamento que o Cene cometeu nesta Série D. Deveria reforçar o elenco com dois veteranos, como o Alex Dias e o Alberto, que estão em boa forma e poderiam ser usados como um chamariz para os torcedores tão desacreditados.

EA - O que podemos melhorar no futebol local? Como fazer essa mudança?
DT - A mudança deve ser sistemática debaixo para cima. Os clubes precisam de dirigentes mais comprometidos e empresários que investissem no futebol local, principalmente nas categorias de base. Já entrevistei pais de garotos da base de clubes da Capital que faziam rifa para os filhos jogarem torneios no interior de SP e PR, porque os clubes não tinham condições de bancar as despesas com viagens e alimentação.

É difícil fortalecer uma competição sem times figurando nas principais divisões do futebol brasileiro. Seria necessária a instalação de um clube itinerário como o Grêmio Barueri em Campo Grande ou Dourados. Mas isso implicaria em um alto custo que o empresariado local não cobriria as despesas. Em compensação, a renda contra equipes grandes seria suficiente para manter a sede deste clube no Estado. Isso criaria um fato novo na visão do torcedor sulmatogrossense e devolveria a paixão pelo futebol, tornando assíduo freqüentador de estádios. O Santo André, por exemplo, ofereceu R$ 350 mil por mês para mandar seus jogos da Série B no Estado. No entanto, a proposta não agradou os empresários locais. A Copagaz, com sede em Campo Grande, prefere patrocinar o time feminino do Santos. Os empresários querem lucro imediato e o futebol sulmatogrossense precisa de paciência. Outra estratégia seria agregar mais competições ao calendário no segundo semestre. O ideal seria o retorno da Copa Centro-Oeste para apimentar mais ainda essa disputa regional. A imprensa também deve focar mais o nosso futebol, tem profissionais novos e competentes para promover essa mudança radical. No entanto, nosso Estado respira política até dentro das redações, pautando até as editorias de esportes. E, esta política não é usada para o bem do esporte local. Por exemplo, a TV Morena deveria olhar com mais atenção o Estadual. O ideal seria transmitir o Campeonato Sulmatogrossense, não adianta só mostrar os gols.

Isso é insuficiente. Se a Rede TV de Rondônia faz a transmissão da Série B do campeonato rondoniense, porque a TV Morena não possui estrutura pra isso?

EA - Mudando um pouco de assunto. A Copa não veio pra cá. Em sua opinião, por que ela não veio pra cá e o que devemos fazer para aproveitar este evento?
DT - Ambições políticas pensaram muito mais... Levou quem articulou e investiu mais... A organização mato-grossense foi mais eficiente que a nossa. Não achei os critérios da FIFA convincentes. Em época eleitoral, jamais o governo nacional cederia à pressão de um governo sulmatogrossense com que não mantinha dialogo amigável. Achei incoerente a escolha ficar polarizada entre Cuiabá e Campo Grande motivada por causa da proximidade com o Pantanal, eliminando Goiânia da disputa. Além de tudo, alimentou uma disputa imbecil entre os dois estados (Mato Grosso e Mato Grosso do Sul). Na ocasião, eu estava trabalhando em Goiás, e senti uma enorme injustiça eliminar Goiânia do certame, já que Goiás é o único Estado da região centro-oeste que realmente respira o futebol local, com times bem estruturados nas principais divisões do Brasileirão e um dos melhores estádios de futebol do país (Serra Dourada). Como também achei injusta a eleição de Manaus e a eliminação de Belém e a de Natal ao invés de Florianópolis. Mas nem tudo são flores. Campo Grande não teria condições de abrigar uma copa. Até cidades que tem plenas condições, como Curitiba, o assunto Copa do Mundo não vem chamando a atenção dos curitibanos.

EA - Gostaria de dizer algo para finalizar?
DT - Já que estamos em um período eleitoral, vou pedir aos empresários que invistam em nosso futebol. Peço aos torcedores que continuem indo para os estádios ao invés de confeccionar outdoor pedindo jogador do Santos na Seleção. Aos meus colegas jornalistas que convençam seus editores da importância do nosso futebol. E, aos políticos que parem de tentar criar coisas absurdas como o "Dia do Corinthians" e promovam leis que ajudem a melhorar a imagem do futebol e o esporte sulmatogrossense.

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