Bate-Bola | Jones Mário/Da redação | 09/07/2013 13h34

Bate-Bola: Daniel Sena

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Daniel Sena

Daniel Sena (35) não é apenas professor de Educação Física. Segundo ele mesmo, é também pai, mãe, escola e médico de alguns dos participantes do Projeto Cocesp (Comitê de Cultura e Esporte) ministrado por ele em cinco escolas da Capital. Entre os atletas do Projeto estão alguns dos maiores nomes do paradesporto do Estado, como Gabriela Mendonça, Davi de Souza e Evelyn de Olveira.

Em uma entrevista emocionante cedida ao site Esporte Ágil, Daniel conta das dificuldades que passa com o projeto, que atende Atletismo convencional e adaptado, e das gratificações que seu trabalho lhe proporciona. Veja:

Esporte Ágil - Como o Atletismo entrou em sua vida?

Daniel Sena - Como todas as crianças, descobri o atletismo na escola, com 15 anos. Comecei a treinar no Senai, depois recebi um convite do Dom Bosco, pra treinar com o professor Tamir, e comecei a crescer. Durante 15 anos fui eleito o melhor velocista do Mato Grosso do Sul.

EA - Como foi sua carreira como atleta?

DS - Como atleta eu já fui quinze vezes campeão campo-grandense, campeão estadual, quatro vezes vice campeão brasileiro, tanto menor quanto adulto. Isso correndo 100 e 200 metros. Inclusive, os recordes estaduais dessas duas provas são meus.

EA - Porque resolveu cursar Educação Física?

DS - Como eu já estava envolvido no atletismo, no esporte, abriu-se um leque pra faculdade, cursos, e tudo o que eu queria era trabalhar na área. Consegui uma bolsa no interior, fiz quatro anos de graduação, mais um ano de pós-graduação em Fátima do Sul. Retornei pra Campo Grande em 2005, em que eu fui trabalhar em sala de aula e fiquei até 2006.

Já em 2007, eu comecei com o treinamento de Atletismo nas escolas, que foi onde tudo começou. E em 2008 eu consegui formar um campeão brasileiro no lançamento do dardo, o Douglas Amorim.

Em 2009, eu comecei no atletismo paralímpico através de um convite de um colega meu que precisava de professores pra trabalhar com adaptado. Eu conheci o Atletismo Adaptado na faculdade, mas só vi o superficial.

EA - Qual a principal diferença do Atletismo em MS de seus tempos de velocista pra cá?

DS - Material humano nós temos, que são nossas crianças, nós temos muitos talentos. Eu vejo que o que piorou foi o interesse dos jovens pela prática esportiva. Na minha época, você chegava em um campinho e tinha quatro ou cinco times lá fora. A gente pedalava longe pra poder jogar futebol no campo de chão batido. Hoje eu vejo campo gramado, professor com bola, colete, e você olha pro campo e têm doze, dez crianças. Acho até que é pela evolução tecnológica, celular, computadores, que fazem com que eles acabem perdendo o interesse. Esse é um ponto.

Outro é a questão do investimento, que eu vejo uma regressão. Nós estamos numa luta por uma pista de atletismo. Hoje Campo Grande tem uns 900 mil habitantes e nós não temos uma pista de atletismo. Se você vai pro interior de São Paulo, cidades menores têm duas, três pistas.

Eu mesmo tenho os dois melhores velocistas do Estado, e no paralímpico eu tenho os três melhores do Brasil. E se você vê a nossa pista, você não acredita. Ela fica dentro de uma escola, nós pedimos pra uma máquina abrir e ficou aquele terrão vermelho. Nós temos apenas um local de competição aqui em Campo Grande, que quando chove não tem competição.

Quando começamos a trabalhar com essas crianças, chega aos quinze, dezesseis anos, elas precisam trabalhar, porque não tem incentivo. São crianças carentes, as famílias não têm condições. Hoje o professor de Educação Física é pai, mãe, escola, médico. A criança não tem uma base. É uma luta, eu fico até um pouco emocionado. Essas crianças precisam de mais, e nós não temos condições de ajudar. O que a gente pode fazer, a gente faz, só que precisamos de mais. Têm crianças que não tem o que comer, mas luta, sabe? Todo dia está no treino. Aí você pega uma criança dessas, que precisa de 500 reais pra viajar, você chega em um empresário, que tem condições, e ele fala: “Não tenho cara, posso te ajudar com 50 reais”. Aí a criança te pergunta: “E aí, professor? O que nós podemos fazer?”. E a gente fica impotente. A gente tira do bolso, mas até quando o professor vai ficar tirando do bolso pra ajudar?

Hoje nós vemos nos noticiários: “Venceu atleta de São Paulo!”. Nem sempre é de São Paulo, nós temos atletas de Mato Grosso do Sul vestindo a camisa de lá, que largou tudo e foi embora. Mas não são todos que podem fazer isso. Muitos ficam pelo caminho.

EA - Você citou um exemplo do empresário, mas você acha que falta incentivo público?

DS - Muito, muito. Eu falo dos empresários porque eu já to calejado de tanto correr atrás. É tanta promessa no poder público. Eles dizem: “Nós estamos com um projeto que só falta assinar”. Essa pista já está há um ano que só falta assinar.

EA - Como é o Projeto Cocesp?

DS - Eu atendo cinco escolas com esse projeto, em parceria com a Secretaria de Educação do Estado, que visa atender esses atletas de rendimento. Dessas cinco escolas, quatro eu atendo iniciação, com atividades lúdicas para crianças de 9 a 13 anos. Já na outra escola, o Manuel Bonifácio, eu atendo atletas de rendimento, que se destacam nas atividades de iniciação. Lá eu tenho uma estrutura melhor e é lá que estão os melhores atletas do Estado.

No Manuel Bonifácio, tivemos uma parceria muito boa com a direção. Ela disponibilizou uma sala, com materiais de utilidade no treinamento, embora a gente improvise demais também. A gente usa pneu, câmara de bicicleta. Alguns atletas de seleção brasileira aparecem por lá, uma ou duas vezes por semana, pra fazer um trabalho com a gente.

EA - Como você concilia o trabalho com atletas do adaptado e do convencional?

DS - Às vezes a gente consegue trabalhar com os dois juntos, por exemplo, com um aluno que tem baixa visão. Mas quando é um paratleta mais comprometido, um cadeirante, ou um andante com paralisia cerebral, esse nós temos que criar um horário pra ter aquele acompanhamento individual. 

EA - Como é saber que você está colaborando com o desenvolvimento pessoal e esportivo de atletas adaptados?

DS - É uma realização, satisfação muito grande, porque é um mundo diferente. Todo mundo fala “não ao preconceito”, mas tem muito preconceito e muita discriminação. Hoje, o DI (Deficiente Intelectual) que está na escola, se ele não tiver uma autoestima boa, ele não faz nada. Ele fica isolado porque vira motivo de chacota na escola. Tiram sarro porque ele é bobo, porque ele não sabe fazer nada, ou porque ele é muito ativo. Mas quando eles conhecem o esporte, a autoestima deles muda completamente. Então, só de ver a felicidade deles, eu fico muito satisfeito.

Eu uso o exemplo de uma menina DI que não fazia atividade física na escola porque, infelizmente, tem colegas de profissão que acham que não pode. Eu convidei essa menina pra participar, ela conheceu o esporte, foi pra campeonato brasileiro, ganhou medalha de ouro, viajou bastante. Hoje ela é referência na escola, participa de teatro, de dança.

Outro menino que eu tenho, aos nove anos foi atropelado. Ele queria que a mãe comprasse um bolo de aniversário pra ele, mas a mãe não tinha dinheiro. Ele saiu chorando na rua, o carro jogou ele do outro lado. Ele ficou oito meses em coma, o médico falou que não tinha jeito, que ele ia vegetar. Mas o menino reaprendeu a andar, a falar. Hoje ele tá comigo, e ele é uma grande alegria. Chega cantando música do Amado Batista, brincando, é outra criança. Ele tinha tudo pra ficar isolado em casa, ser o coitadinho da família. Hoje ele sai lá do Rouxinol de ônibus, e, como ele sofreu um retardo mental, se você marca treino às quatro da tarde, ou ele chega cinco e meia ou ele chega meio dia, mas ele é uma alegria. Então, é uma grande transformação, e quando eu vejo isso, não tem coisa melhor.

EA - Quais são os paratletas de destaque do Projeto?

DS - Nós temos a Gabriela Mendonça, o Davi de Souza, e a Evelyn de Oliveira, que já tem dez anos de paradesporto, mas depois que ela veio treinar comigo, não desmerecendo os outros professores, ela teve um crescimento muito grande. Hoje ela faz Educação Física na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. Ela é a segunda melhor do Brasil. A Gabriela é a primeira e o Davi também é o primeiro.

EA - Quais são as expectativas futuras do projeto e dos atletas que fazem parte dele?

DS - Ano que vem tem troca de governo, então, como o projeto é em parceria com o Governo do Estado, vai ser tumultuado. Meu objetivo é crescer cada vez mais o projeto, e fazer as crianças crescerem através do esporte e dos estudos. Têm crianças que eu consegui recuperar através da escola. O Davi (de Souza) não estudava. Eu resgatei esse menino, hoje ele está estudando, está na seleção brasileira, e está recebendo Bolsa-Atleta.

A Gabriela, com 14 anos, chegou batendo recorde brasileiro, assustando todo mundo. Mas ela não tem estrutura pra isso, ela não tem ajuda financeira. E tem muito assédio. Chegou na Seleção e o coordenador falou pra ela: “Menina, em 2016 você vai estar no Rio”, e eu trabalho a cabeça dela aqui, porque você não pode ficar dando esperança pra uma criança porque o mundo dá muitas voltas. Eu vejo uma possibilidade muito grande do Davi e da Gabriela ser nossos representantes na Paraolímpiada de 2016, mas o meu objetivo maior é que essas crianças peguem um rumo, uma direção boa e se tornem grandes cidadãos.

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